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Síntese

A guerra da Rússia contra a Ucrânia afetou gravemente a confiança, provocou uma nova subida acentuada dos preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares e, aliada às perturbações relacionadas com a pandemia na China, intensificou as atuais pressões sobre as cadeias de abastecimento. Estes fatores constituem um entrave significativo à recuperação económica na área do euro e surgem paralelamente à flexibilização das restrições associadas à pandemia, a qual está a dar um forte impulso ao setor dos serviços[1]. As projeções de referência assentam nos seguintes pressupostos: que as atuais sanções contra a Rússia permanecerão em vigor durante todo o horizonte de projeção (incluindo o embargo petrolífero decretado pela União Europeia (UE)); que a fase intensa da guerra durará até ao final deste ano, sem nova escalada do conflito; que as perturbações no aprovisionamento energético não conduzirão a um racionamento nos países da área do euro; e que os estrangulamentos da oferta serão gradualmente resolvidos até ao final de 2023. Tudo isto implica perspetivas de crescimento muito mais fraco (embora ainda positivo) no curto prazo, com os fatores adversos a desvanecerem‑se após 2022 e o crescimento no médio prazo a situar‑se um pouco acima das taxas médias históricas, refletindo uma recuperação gradual face às repercussões económicas da pandemia, bem como o desvanecimento dos efeitos negativos da guerra num contexto de mercados de trabalho globalmente robustos. Espera‑se que o produto interno bruto (PIB) real da área do euro registe, em média, um crescimento de 2,8% em 2022 (estando 2,0 pontos percentuais relacionados com efeitos de repercussão de 2021) e 2,1% em 2023 e 2024. Em comparação com as projeções de março de 2022 elaboradas por especialistas do BCE, as perspetivas de crescimento foram revistas em baixa em 0,9 pontos percentuais para 2022 e em 0,7 pontos percentuais para 2023, devido sobretudo ao impacto económico da guerra na Ucrânia, enquanto o crescimento em 2024 foi revisto em alta em 0,5 pontos percentuais, espelhando uma retoma da atividade à medida que os fatores adversos se desvanecem.

Na sequência do aumento acentuado da inflação no início de 2022, as perspetivas apontam para uma inflação mais elevada e persistente. Espera‑se que a inflação global medida pelo índice harmonizado de preços no consumidor (IHPC) permaneça muito alta durante a maior parte de 2022, situando‑se, em média, em 6,8%[2], antes de diminuir gradualmente a partir de 2023 e convergir para o objetivo de inflação do BCE no segundo semestre de 2024. As pressões sobre os preços manter‑se‑ão excecionalmente altas no curto prazo, devido aos preços elevados do petróleo e do gás, aos aumentos dos preços das matérias‑primas alimentares (que foram fortemente afetados pela guerra na Ucrânia), bem como aos efeitos da reabertura da economia e à escassez de oferta a nível mundial. A esperada descida da inflação para 3,5% em 2023 e 2,1% em 2024 espelha sobretudo a pressuposta moderação dos preços dos produtos energéticos e das matérias‑primas alimentares, na ausência de choques adicionais, tal como implícito nos preços dos futuros. Além disso, a normalização em curso da política monetária, na medida em que se reflete em pressupostos de taxas de juro mais altas (em consonância com as expectativas do mercado) contribuirá para a moderação da inflação, com os habituais desfasamentos na transmissão. A inflação medida pelo IHPC excluindo produtos energéticos e produtos alimentares permanecerá muito elevada até ao final de 2022, mas, posteriormente, deverá descer com a diminuição das pressões em sentido ascendente decorrentes da reabertura da economia e o abrandamento dos estrangulamentos da oferta e das pressões sobre os custos dos fatores de produção energéticos. A recuperação económica em curso, a maior restritividade dos mercados de trabalho e alguns efeitos sobre os salários da compensação pela inflação mais elevada – sendo que os salários deverão registar taxas de crescimento muito acima das médias históricas – implicam uma inflação subjacente elevada até ao final do horizonte, embora as projeções de referência pressuponham que as expectativas de inflação a mais longo prazo permanecerão bem ancoradas. Em comparação com as projeções de março de 2022 elaboradas por especialistas do BCE, a inflação foi revista substancialmente em alta. Tal reflete as recentes surpresas em termos de dados, os preços mais elevados dos produtos energéticos e das matérias‑primas alimentares, as pressões em sentido ascendente mais persistentes resultantes de perturbações da oferta, um crescimento mais forte dos salários e a depreciação da taxa de câmbio do euro. Estes efeitos mais do que compensam o impacto em sentido descendente do aumento dos pressupostos relativos às taxas de juro e as perspetivas de crescimento mais fracas.

Projeções para o crescimento e a inflação na área do euro

(variação anual em percentagem)

Notas: Os valores relativos ao PIB real referem‑se a dados corrigidos de sazonalidade e de dias úteis. Os dados históricos podem divergir das publicações mais recentes do Eurostat, devido à divulgação de dados após a data de fecho da informação para as projeções.

Dada a elevada incerteza em torno das perspetivas, as projeções são complementadas com um cenário pessimista, que reflete a possibilidade de uma perturbação grave do aprovisionamento energético na Europa, conduzindo a novos aumentos dos preços dos produtos energéticos e a cortes da produção. Neste cenário, a inflação situa‑se, em média, em 8,0% em 2022 e 6,4% em 2023, descendo depois para valores inferiores às projeções de referência e situando‑se em 1,9% em 2024. Este perfil espelha uma forte subida dos preços das matérias‑primas até finais de 2022 e uma descida significativa posteriormente. Neste cenário, o PIB real regista uma taxa de crescimento de apenas 1,3% em 2022, uma contração de 1,7% em 2023 e – não obstante uma recuperação em 2024, quando apresenta uma taxa de crescimento de 3% – permanece substancialmente abaixo do nível das projeções de referência durante o horizonte de projeção. As presentes projeções também incluem análises de sensibilidade relacionadas com os principais elementos do cenário pessimista e com o impacto de um maior grau de indexação salarial e de trajetórias alternativas dos preços dos produtos energéticos nas projeções de referência.

1 Economia real

O crescimento real do PIB subiu para 0,6% no primeiro trimestre de 2022, não obstante as restrições associadas à pandemia, as atuais pressões sobre as cadeias de abastecimento, a subida acentuada dos preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares e – no final do trimestre – a incerteza gerada pela guerra na Ucrânia. Este resultado é superior ao indicado nas projeções de março de 2022 elaboradas por especialistas do BCE (0,2%), mas foi fortemente afetado pela volatilidade, devido à atividade de empresas multinacionais localizadas na Irlanda, podendo, portanto, sobrestimar a robustez da atividade interna subjacente na área do euro[3]. O consumo privado registou nova contração no primeiro trimestre, em virtude de restrições mais fortes relacionadas com a pandemia na viragem do ano – embora as mesmas tenham começado a abrandar significativamente em março – e de uma queda do rendimento disponível real induzida pela inflação. Em contraste, os contributos do comércio líquido e das existências para o crescimento no primeiro trimestre de 2022 foram positivos.

Gráfico 1

Crescimento real do PIB da área do euro

(variação em termos trimestrais em cadeia, em percentagem; dados trimestrais corrigidos de sazonalidade e de dias úteis)

Notas: Os dados históricos podem divergir das publicações mais recentes do Eurostat, devido à divulgação de dados após a data de fecho da informação para as projeções (ver a nota de rodapé 3). A linha vertical indica o início do horizonte de projeção.

O crescimento real do PIB deverá ser moderado no segundo trimestre de 2022 (gráfico 1). Os fatores que estão a restringir o crescimento são os preços altos dos produtos energéticos e dos produtos alimentares, os persistentes estrangulamentos da oferta e a elevada incerteza. Ao mesmo tempo, a eliminação gradual das restrições relacionadas com a pandemia, no contexto de um elevado stock de poupança em excesso acumulada, apoia o crescimento. Dados conjunturais e indicadores de inquéritos sugerem que os efeitos da guerra na Ucrânia começaram a pesar sobre o consumo de bens pelas famílias. No entanto, a retoma do consumo de serviços com uma grande componente de contacto ainda deverá traduzir‑se num recrudescimento do consumo privado no segundo trimestre. De um modo geral, estes fatores conduziram a significativas revisões em baixa do crescimento real do PIB, em comparação com as projeções de março de 2022, passando este para 0,2% no segundo trimestre de 2022 (‑0,8 pontos percentuais) e 0,4% no terceiro trimestre (‑0,6 pontos percentuais).

Para além do curto prazo, espera‑se que o crescimento recupere de forma gradual com o desvanecimento dos fatores adversos, embora o nível do PIB deva permanecer substancialmente mais baixo ao longo do horizonte do que o indicado nas anteriores projeções elaboradas por especialistas do BCE. A melhoria esperada baseia‑se nos pressupostos de que a fase intensa da guerra na Ucrânia termina até ao final de 2022; o impacto económico da pandemia continua a diminuir e os padrões de consumo se normalizam; os estrangulamentos da oferta se desvanecem até ao final de 2023; e o crescimento das exportações é apoiado pela melhoria da competitividade de preços face aos principais parceiros comerciais, como os Estados Unidos, e pela recuperação da procura externa. Espera‑se que a inflação mais elevada, agravada pelos efeitos da guerra na Ucrânia sobre os preços das matérias‑primas, leve a uma descida do rendimento disponível real e reduza o valor real do grande stock de poupança acumulada durante a pandemia, atenuando, assim, o consumo no curto prazo. No médio prazo, a descida das taxas de inflação deverá permitir novo crescimento gradual do rendimento real e apoiar o consumo. Os efeitos negativos do enfraquecimento da confiança e do aumento da incerteza, que impulsionam a poupança por motivos de precaução no curto prazo, deverão também desvanecer‑se. Após o apoio considerável à atividade prestado pelos governos durante a crise da COVID‑19 em 2020 e 2021, bem como o maior investimento esperado em 2022 financiado pelo programa “Next Generation EU” (NGEU) e o apoio mais recente relacionado com os preços elevados dos produtos energéticos e a guerra na Ucrânia, espera‑se que a política orçamental tenha um impacto negativo no crescimento em 2023, com a cessação de algumas destas medidas. A orientação orçamental deverá continuar a ser menos restritiva no final do horizonte de projeção, em comparação com o período anterior à pandemia, tendo um efeito positivo no nível do PIB. Em geral, dada a deterioração das perspetivas no curto prazo e a expectativa de uma retoma apenas parcial no médio prazo, projeta‑se que o nível do PIB real se mantenha muito abaixo da trajetória avançada nas projeções de março de 2022 ao longo do horizonte de projeção (gráfico 2).

Gráfico 2

PIB real da área do euro

(volumes encadeados, T4 2019 = 100)

Notas: Os dados são corrigidos de sazonalidade e de dias úteis. Os dados históricos podem divergir das publicações mais recentes do Eurostat, devido à divulgação de dados após a data de fecho da informação para as projeções. A linha vertical indica o início do atual horizonte de projeção.

As perspetivas para a atividade na área do euro estão rodeadas de um elevado grau de incerteza, relacionado com a evolução da guerra na Ucrânia. Um dos principais riscos prende‑se com a possibilidade de uma perturbação grave do aprovisionamento energético na Europa, conduzindo a novos aumentos acentuados dos preços dos produtos energéticos e a cortes da produção. A caixa 3 descreve um cenário pessimista, refletindo o impacto destes e de outros riscos relacionados com a guerra na Ucrânia sobre a atividade e a evolução dos preços.

Quadro 1

Projeções macroeconómicas para a área do euro

(variação anual em percentagem, salvo indicação em contrário)

Notas: O PIB real e as suas componentes, os custos unitários do trabalho, a remuneração por trabalhador e a produtividade do trabalho baseiam‑se em dados corrigidos de sazonalidade e de dias úteis. Os dados históricos podem divergir das publicações mais recentes do Eurostat, devido à divulgação de dados após a data de fecho da informação para as projeções.
1) Inclui o comércio intra‑área do euro.
2) O subíndice tem por base estimativas do impacto efetivo dos impostos indiretos. Tal poderá diferir dos dados do Eurostat, que assentam no pressuposto de uma transmissão integral e imediata ao IHPC do impacto dos impostos indiretos.
3) Calculado como o saldo orçamental das administrações públicas líquido de efeitos transitórios do ciclo económico e de medidas classificadas como “temporárias” nos termos da definição do Sistema Europeu de Bancos Centrais.
4) A orientação da política orçamental é medida como a variação do saldo primário corrigido do ciclo líquido do apoio estatal ao setor financeiro. Os valores apresentados são igualmente corrigidos das esperadas subvenções do NGEU no lado da receita. Um valor negativo implica uma menor restritividade da orientação orçamental.

No que respeita às componentes do PIB, com o levantamento das restrições relacionadas com a pandemia, projeta‑se que o consumo privado recupere em 2022, não obstante fatores adversos significativos decorrentes da inflação mais elevada e da incerteza acrescida devido à guerra na Ucrânia. Após uma descida durante dois trimestres consecutivos, o consumo privado deverá recuperar a partir do segundo trimestre de 2022, uma vez que a flexibilização das restrições associadas à COVID‑19 desencadeou um ressurgimento da procura de serviços com uma grande componente de contacto. Tal deverá mais do que compensar os fatores adversos resultantes do aumento acentuado da incerteza, dos efeitos negativos sobre a confiança e dos preços mais elevados dos produtos energéticos e dos produtos alimentares relacionados com a agressão militar da Rússia contra a Ucrânia. Ao mesmo tempo, espera‑se que o crescimento do consumo seja apoiado, até certo ponto, por medidas orçamentais compensatórias relacionadas com os produtos energéticos, assim como pela inversão parcial da poupança em excesso acumulada. O crescimento do consumo continuará a ser superior ao crescimento do rendimento real no próximo ano. Perto do final do horizonte de projeção, o crescimento do consumo privado deverá registar uma moderação. Para 2022 e 2023, foi objeto de uma significativa revisão em baixa em comparação com as projeções de março de 2022, refletindo uma poupança por motivos de precaução mais forte, uma inflação mais elevada e uma intensificação das restrições da oferta de alguns bens de consumo.

As taxas de inflação mais elevadas estão a impulsionar uma descida do rendimento disponível real em 2022, não obstante o apoio da forte dinâmica salarial num contexto de mercados de trabalho robustos. Estima‑se que o rendimento disponível real tenha registado uma forte diminuição no primeiro trimestre de 2022, em resultado da inflação mais elevada e de menores transferências orçamentais líquidas. Espera‑se que regresse gradualmente a uma dinâmica positiva perto do final do ano, ditada sobretudo pela restritividade dos mercados de trabalho e pelo crescimento dinâmico dos salários. As medidas orçamentais para compensar os preços elevados dos produtos energéticos – que ascendem, em termos acumulados, a cerca de 1,4% do rendimento disponível das famílias em 2021 e 2022 – deverão, em certa medida, proteger o poder de compra das famílias, em especial no caso de famílias de baixo rendimento.

No que respeita ao rácio de poupança das famílias, projeta‑se que desça para um nível ligeiramente inferior ao registado antes da crise, estabilizando depois perto do final do horizonte de projeção. Espera‑se que o rácio de poupança diminua no decurso de 2022, perante a normalização do comportamento de poupança dos consumidores com a flexibilização das restrições associadas à pandemia. Contudo, por motivos de precaução relacionados com a incerteza desencadeada pela guerra na Ucrânia, o rácio de poupança deverá diminuir mais lentamente no curto prazo do que o considerado nas projeções de março de 2022. Além disso, o elevado stock de poupança em excesso acumulada pelas famílias durante a pandemia deverá proporcionar uma reserva para nivelar o consumo em resposta ao choque sobre os preços dos produtos energéticos. Paralelamente, o valor real desta poupança foi, em parte, reduzido pelo aumento da inflação. A utilização desta poupança acumulada é também condicionada por fatores distributivos, em particular pela concentração dessa poupança em famílias mais abastadas e de mais idade, com uma menor propensão para o consumo. Por último, as famílias nos grupos com menores rendimentos são as mais afetadas pelo choque sobre os preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares, dado que tendem a gastar uma percentagem mais elevada dos seus rendimentos nestes produtos, tendo acumulado um menor stock de poupança durante a pandemia.

Caixa 1
Pressupostos técnicos sobre taxas de juro, preços das matérias‑primas e taxas de câmbio

Em comparação com as projeções de março de 2022, os pressupostos técnicos incluem taxas de juro significativamente mais elevadas, preços mais altos do petróleo, do gás e das matérias‑primas energéticas não petrolíferas e um euro mais fraco. Os pressupostos técnicos relativos às taxas de juro e aos preços das matérias‑primas têm por base as expectativas do mercado, com uma data de fecho da informação de 17 de maio de 2022. As taxas de juro de curto prazo referem‑se à EURIBOR a três meses, sendo as expectativas do mercado determinadas a partir das taxas dos contratos de futuros. Seguindo esta metodologia, obtém‑se para estas taxas de juro de curto prazo um nível médio de 0,0% em 2022, de 1,3% em 2023 e de 1,6% em 2024. As expectativas do mercado quanto às taxas de rendibilidade nominais das obrigações de dívida pública a dez anos na área do euro implicam um nível médio anual de 1,4% em 2022, aumentando progressivamente durante o horizonte de projeção para 2,1% em 2024[4]. Em comparação com as projeções de março de 2022, as expectativas do mercado em relação às taxas de juro de curto prazo foram revistas em alta, em cerca de 40, 100 e 90 pontos base para 2022, 2023 e 2024, respetivamente, em resultado das expectativas de um aumento geral da restritividade da política monetária. Tal conduziu também a uma revisão em alta das taxas de rendibilidade das obrigações soberanas de longo prazo em cerca de 60, 90 e 100 pontos base para 2022, 2023 e 2024, respetivamente.

No que respeita aos preços das matérias‑primas, que se baseiam nos preços médios dos futuros nos dez dias úteis anteriores à data de fecho da informação, pressupõe‑se que o preço do barril de petróleo bruto Brent aumente de, em média, 71,1 dólares dos Estados Unidos em 2021 para 105,8 dólares em 2022, descendo depois para 84,3 dólares em 2024. Esta trajetória implica que, em comparação com as projeções de março de 2022, os preços do petróleo em dólares dos Estados Unidos são mais elevados 14% em 2022, 13% em 2023 e 9% em 2024, em resultado da menor oferta da Rússia relacionada com as sanções (ver a caixa 2). Os pressupostos relativos aos preços por grosso do gás foram recentemente adicionados ao conjunto de pressupostos técnicos utilizados nas projeções dos especialistas do Eurosistema/BCE. Pressupõe‑se que os preços do gás por megawatt‑hora (MWh) aumentem, em média, de 47 euros em 2021 para 99 euros em 2022, descendo subsequentemente para 63 euros em 2024[5]. O impacto dos pressupostos sobre os preços dos produtos energéticos, alternativos aos incluídos nas projeções de referência, é refletido nas análises de sensibilidade apresentadas na caixa 5.

Espera‑se que os preços em dólares dos Estados Unidos das matérias‑primas não energéticas subam em 2022 e desçam em 2023 e 2024. Parte‑se do pressuposto de que, com base nos preços dos futuros, as licenças de emissão no âmbito do Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da União Europeia (também referido como “Comércio Europeu de Licenças de Emissão” ou “CELE”) se situem em 89,7 euros em 2022, 93,2 euros em 2023 e 97,3 euros em 2024.

Quanto às taxas de câmbio bilaterais, pressupõe‑se que, durante o horizonte de projeção, permanecem inalteradas nos níveis médios prevalecentes no período de dez dias úteis findo na data de fecho da informação. Tal implica uma taxa de câmbio média de 1,07 dólares dos Estados Unidos por euro em 2022 e 1,05 dólares por euro em 2023 e 2024, sendo estes valores cerca de 6% mais baixos do que os avançados nas projeções de março de 2022. O pressuposto relativo à taxa de câmbio efetiva do euro implica uma depreciação de 2% em comparação com as projeções de março de 2022.

Pressupostos técnicos

Projeta‑se que o crescimento do investimento em habitação abrande no curto prazo, antes de voltar a aumentar gradualmente. A guerra da Rússia na Ucrânia agravou a escassez de mão de obra e de matérias‑primas e as condições de financiamento deterioraram‑se face à maior restritividade dos critérios de concessão de crédito e à incerteza acrescida. Projeta‑se que, no seu conjunto, estes fatores abrandem consideravelmente o crescimento do investimento em habitação no curto prazo. No médio prazo, porém, este deverá aumentar de forma gradual, apoiado pela forte procura, em especial por parte das famílias de maior rendimento, e pelo desvanecimento das restrições da oferta e da incerteza. De um modo geral, projeta‑se que o crescimento do investimento em habitação permaneça fraco no decurso do horizonte de projeção, visto que as condições de financiamento deverão registar nova deterioração em resultado de uma normalização das taxas de juro, compensando o impacto de efeitos positivos do “Q” de Tobin[6] e do aumento do rendimento disponível.

Espera‑se que o investimento empresarial seja restringido a curto prazo pela guerra na Ucrânia, mas que recupere com a diminuição das tensões geopolíticas, o abrandamento dos estrangulamentos da oferta e o desembolso dos fundos do NGEU. A maior incerteza, a subida dos preços dos produtos energéticos, as condições de financiamento mais restritivas, a intensificação dos estrangulamentos da oferta, a menor confiança das empresas e utilização da capacidade produtiva, bem como a deterioração da avaliação das carteiras de encomendas dos produtores de bens de investimento, apontam para uma diminuição do crescimento do investimento empresarial em 2022. Com o abrandamento das perturbações da oferta e partindo do pressuposto de que a incerteza diminui gradualmente, espera‑se que o investimento regresse a uma trajetória de crescimento mais dinâmico a partir de 2023. No médio prazo, considera‑se que, embora estejam a aumentar, as taxas ativas aplicadas a sociedades não financeiras permanecerão relativamente favoráveis em comparação com o seu nível médio histórico em termos reais. Acresce que o impacto positivo do programa do NGEU, o crescimento projetado dos lucros em 2022 e nos anos seguintes e as despesas mais elevadas relacionadas com a descarbonização da economia europeia e a redução da sua dependência energética da Rússia proporcionarão um impulso ao investimento empresarial.

Caixa 2
Enquadramento internacional

As repercussões económicas da guerra na Ucrânia e dos confinamentos na China representam fatores adversos importantes para o crescimento mundial no curto prazo. A guerra – através do seu impacto nos preços das matérias‑primas, nas cadeias de abastecimento e na incerteza geopolítica – tem efeitos muito para além dos países e das regiões estreitamente integrados com a Rússia e a Ucrânia através de ligações comerciais e financeiras. Ao mesmo tempo que pesa sobre o crescimento mundial, a guerra contribui para as pressões inflacionistas já elevadas. O ressurgimento da pandemia de COVID‑19 e a associada maior restritividade das medidas de contenção na Ásia, em particular na China, intensificaram a pressão sobre as cadeias de abastecimento mundiais. Estes fatores adversos ocorrem num contexto de pressões inflacionistas elevadas, o que, entre outros fatores, levou vários bancos centrais em todo o mundo a ajustar as respetivas políticas monetárias, contribuindo para condições financeiras mais restritivas.

Segundo as projeções, o PIB real mundial (excluindo a área do euro) observará um crescimento de 3,0% em 2022, 3,4% em 2023 e 3,6% em 2024 – o que constitui uma trajetória de crescimento mais fraca do que a avançada nas projeções de março de 2022. O perfil de crescimento relativamente horizontal da economia mundial nos últimos anos do horizonte de projeção oculta diferenças entre as economias avançadas e as economias emergentes. Nas economias avançadas, espera‑se que o crescimento diminua em 2023 e estabilize depois, perante a diminuição do apoio em termos de políticas e pressões inflacionistas elevadas – embora a dissipar‑se gradualmente –, face à consolidação da recuperação do choque pandémico. No tocante às economias emergentes, as perspetivas de crescimento para o corrente ano deterioraram‑se no contexto de um crescimento mais fraco na China, mas, em especial, devido a uma deterioração acentuada das perspetivas de crescimento da Rússia e da Ucrânia. Projeta‑se, todavia, que a atividade económica nas economias emergentes aumente de forma progressiva ao longo do resto do horizonte de projeção.

A economia russa deverá entrar numa recessão profunda este ano. Estas perspetivas refletem sanções económicas mais rigorosas impostas desde as projeções de março de 2022, incluindo um embargo à importação de matérias‑primas energéticas da Rússia pelo Reino Unido e os Estados Unidos e o compromisso dos países do G7 de deixarem de utilizar ou proibirem o petróleo da Rússia o mais rapidamente possível. Na sequência de um anterior embargo à importação de carvão, a UE acordou uma proibição gradual da importação de petróleo. O impacto das sanções na atividade da Rússia está a ser ampliado por boicotes generalizados do setor privado, que perturbaram a produção e a logística, enquanto a subida da inflação e as condições de financiamento restritivas estão a pesar sobre a procura interna. As projeções apontam para uma recessão profunda, seguida apenas de uma recuperação moderada, com base no pressuposto de que as sanções económicas impostas até à data permanecerão inalteradas durante todo o horizonte de projeção.

As perturbações relacionadas com a pandemia na Ásia e as repercussões da guerra na Ucrânia afetarão significativamente o comércio mundial no curto prazo. Não obstante uma recente intensificação das perturbações nas cadeias de abastecimento mundiais, espera‑se que o seu impacto se dissipe de forma gradual até ao final de 2023, em virtude do pressuposto de que o impacto da guerra e das perturbações relacionadas com a pandemia nas cadeias de produção mundiais é temporário. Consequentemente, projeta‑se que as importações reais mundiais (excluindo a área do euro) registem um crescimento de 4,3% em 2022, 3,1% em 2023 e 3,7% em 2024. Em comparação com as projeções de março, os valores foram revistos em baixa para este ano e o próximo, tendo permanecido praticamente inalterados para 2024. O projetado crescimento da procura externa da área do euro é mais fraco e foi revisto em baixa de forma mais significativa do que as importações mundiais, uma vez que os países europeus fora da área do euro com ligações económicas mais estreitas à Rússia e à Ucrânia estão entre os mais afetados pelos choques económicos desencadeados pela guerra. Como esta região também tem ligações comerciais estreitas com a área do euro, projeta‑se que a procura externa da área do euro diminua no curto prazo e recupere depois de forma gradual.

As perturbações nas cadeias de abastecimento mundiais e nos mercados de matérias‑primas deverão contribuir para as pressões inflacionistas já elevadas. Nos países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE), excluindo a Turquia, a inflação global em termos homólogos medida pelo índice de preços no consumidor acelerou para 7,1% em abril, atingindo a sua taxa mais elevada em mais de três décadas. Dados para os preços dos fatores de produção e do produto nos setores da indústria transformadora e dos serviços com base em inquéritos confirmam as pressões inflacionistas elevadas sobre os produtores e os consumidores. O aumento geral dos preços mundiais das matérias‑primas observado este ano deverá exacerbar as pressões inflacionistas já elevadas no curto prazo, em especial nas economias emergentes, onde os produtos energéticos e os produtos alimentares representam, em conjunto, uma percentagem maior das despesas de consumo do que nas economias avançadas. Nas principais economias avançadas, a procura forte e a subida dos salários num contexto de mercados de trabalho restritivos são também importantes fatores impulsionadores da subida da inflação.

Enquadramento internacional

(variação anual em percentagem)

1) Calculado como uma média ponderada das importações.
2) Calculada como uma média ponderada das importações dos parceiros comerciais da área do euro.

As repercussões da guerra na Ucrânia e a intensificação dos estrangulamentos da oferta pesarão sobre a recuperação do comércio no curto prazo, a qual deverá, porém, prosseguir em 2023. Após sinais de recuperação da procura externa da área do euro no final de 2021, a guerra na Ucrânia e os estrangulamentos da oferta na China estão a minar as perspetivas de curto prazo para as exportações da área do euro. Alguns ganhos de competitividade de preços, impulsionados pela depreciação do euro e pela força relativa dos preços das exportações dos principais parceiros comerciais, a par da esperada recuperação do comércio de serviços, compensam apenas em parte os fatores adversos relacionados com a guerra. Em geral, o crescimento anual dos volumes de exportação da área do euro foi revisto significativamente em baixa para 2022 e 2023. Do lado das importações, a esperada atividade anémica da área do euro no curto prazo também levou às projetadas taxas de crescimento mais baixas das importações. Por conseguinte, espera‑se que as exportações líquidas contribuam apenas de forma moderada para o crescimento do PIB em 2022. Partindo do pressuposto de que os efeitos do conflito, as perturbações da oferta e as restrições associadas à pandemia na Ásia começarão a desvanecer‑se no segundo semestre de 2022, o comércio da área do euro deverá começar a convergir para a sua trajetória de crescimento de longo prazo.

Espera‑se que o mercado de trabalho permaneça bastante resiliente às repercussões da guerra. Projeta‑se que o emprego registe uma taxa de crescimento de 1,9% em 2022, dado que a flexibilização das restrições relacionadas com a COVID‑19 se traduz num ressurgimento da atividade nos serviços com uma grande componente de contacto, não obstante a procura mais fraca de mão de obra na indústria transformadora, devido aos efeitos económicos adversos da guerra na Ucrânia. De acordo com as projeções, o crescimento do emprego situar‑se‑á em 0,5% em 2023 e 0,4% em 2024. A taxa de desemprego foi mais baixa do que o esperado no primeiro trimestre de 2022 e, após sucessivas revisões em baixa nos recentes exercícios de projeção, espera‑se agora que estabilize em 6,8% em 2022 e 2023, descendo depois para 6,7% em 2024.

O crescimento da produtividade do trabalho deverá diminuir em 2022, em consonância com o abrandamento temporário da atividade económica e a substancial resiliência dos mercados de trabalho, antes de voltar a aumentar em 2023. A diminuição do crescimento anual da produtividade do trabalho por indivíduo empregado também reflete efeitos de composição, visto que o crescimento do setor dos serviços (que tipicamente apresenta uma produtividade menor do que a média para o conjunto da economia) aumentou, enquanto o crescimento do setor da indústria transformadora (que normalmente tem uma produtividade maior) diminuiu. No médio prazo, o crescimento da produtividade do trabalho deverá voltar a ganhar dinamismo em resultado de um crescimento económico mais forte e dos efeitos positivos da digitalização da economia, situando‑se, em média, em cerca de 1,6% em 2023 e 2024, ou seja, consideravelmente acima da sua média de longo prazo anterior à pandemia (0,6%).

Em comparação com as projeções de março de 2022, o crescimento real do PIB foi objeto de uma revisão em baixa de 0,9 pontos percentuais para 2022 e de 0,7 pontos percentuais para 2023, tendo sido revisto 0,5 pontos percentuais em alta para 2024. A deterioração das perspetivas para 2022 reflete sobretudo o impacto negativo da guerra na Ucrânia nos preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares, na confiança e no comércio. A revisão em baixa do crescimento do PIB em 2023 decorre de repercussões negativas de 2022, ao passo que a revisão em alta do valor para 2024 espelha uma retoma da atividade com o desvanecimento dos fatores adversos.

Caixa 3
Cenário pessimista relacionado com o impacto económico da agressão militar da Rússia na Ucrânia

Atendendo à incerteza em torno das perspetivas económicas para a área do euro, devido à guerra da Rússia na Ucrânia, esta caixa apresenta um cenário pessimista com perturbações no aprovisionamento energético na área do euro, preços das matérias‑primas mais altos, incerteza elevada, comércio mais fraco e deterioração das condições de financiamento. O cenário pessimista contempla choques sobre a atividade económica mais negativos do que nas projeções de referência e – no curto prazo – pressões em sentido ascendente sobre a inflação mais fortes, ao passo que, no médio prazo, a inflação seria mais baixa (quadro A). Este cenário é complementado por análises de sensibilidade no que respeita aos pressupostos acerca do impacto da escassez de produtos energéticos na produção e aos pressupostos sobre os preços dos produtos energéticos.

Quadro A

Projeções de referência de junho de 2022 e cenário pessimista para a área do euro

(variação anual em percentagem, salvo indicação em contrário)

No cenário pessimista, pressupõe‑se que a fase intensa da guerra na Ucrânia seja mais prolongada do que o esperado nas projeções de referência, estendendo‑se até 2023. Tal estará associado a tensões geopolíticas persistentes e sanções mais abrangentes, que provocarão choques maiores e mais duradouros na área do euro. O cenário caracteriza‑se por um aumento da incerteza, que se traduz numa reavaliação significativa do preço do risco nos diferenciais das obrigações de empresas e nos mercados acionistas e numa deterioração das condições de concessão de crédito bancário, tanto a nível interno como mundial.

O cenário pressupõe um corte total das exportações de produtos energéticos da Rússia para a área do euro a partir do terceiro trimestre de 2022, conduzindo a um racionamento do abastecimento de gás, a preços consideravelmente mais elevados das matérias‑primas, a menos comércio e a uma intensificação dos problemas da cadeia de valor mundial. Tanto os preços do petróleo como do gás seriam substancialmente mais elevados do que nas projeções de referência. Tendo em conta as reduzidas possibilidades de uma rápida substituição do gás da Rússia, parte‑se do pressuposto de que, até ao quarto trimestre de 2022, os preços europeus do gás duplicarão em comparação com as projeções de referência. Os preços do petróleo também são mais elevados do que nas projeções de referência – 65% no nível máximo –, embora se pressuponha que os países da área do euro consigam obter fontes alternativas de abastecimento de petróleo no mercado mundial. Apesar de se esperar que o mercado de produtos energéticos se reequilibre gradualmente no médio prazo, os preços permaneceriam mais elevados do que nas projeções de referência (com os preços do gás ainda a situar‑se quase 110% acima das projeções de referência em 2024 e os preços do petróleo quase 35% acima). O aumento dos custos dos produtos energéticos e dos fertilizantes, a par de um corte das exportações de cereais da Rússia e da Ucrânia, também faria subir os preços mundiais dos produtos alimentares, atingindo um máximo de quase 30% acima dos níveis considerados nas projeções de referência. As perturbações no aprovisionamento energético e as reduzidas possibilidades de uma substituição imediata do gás da Rússia provavelmente exigiriam algum racionamento e uma reafetação de recursos, resultando em cortes da produção na área do euro, em particular em setores com utilização intensiva de energia. As perturbações na cadeia de abastecimento mundial tornar‑se‑iam mais acentuadas no curto prazo, mas desvanecer‑se‑iam até ao final de 2023. No que respeita à economia russa, o cenário caracteriza‑se por uma grave recessão, com uma contração do produto semelhante à observada aquando do colapso da União Soviética.

A atividade e o comércio mundiais (excluindo a área do euro) seriam negativamente afetados através de todos os canais considerados, o que pesaria fortemente sobre a procura externa da área do euro. Esta seria mais baixa no cenário pessimista – cerca de 1,7% em 2022, cerca de 5% em 2023 e cerca de 6% em 2024 face aos níveis das projeções de referência.

O cenário pessimista implicaria um crescimento médio mais fraco (mas ainda positivo) em 2022, uma contração da atividade em 2023, seguida de uma recuperação forte, mas incompleta, em 2024. Em comparação com as projeções de referência, no cenário pessimista, o crescimento real do PIB da área do euro seria mais baixo 1,5 pontos percentuais em 2022 e 3,8 pontos percentuais em 2023, recuperando em 2024 e situando‑se 0,9 pontos percentuais acima das projeções de referência (gráfico A). O crescimento médio anual em 2022 ainda é positivo, principalmente devido a fortes efeitos de repercussão positivos, mas o crescimento trimestral seria negativo no segundo semestre de 2022 e no início de 2023. Um dos principais fatores impulsionadores do perfil adverso do PIB consiste nas perturbações das importações de produtos energéticos da Rússia, o que, atendendo às reduzidas possibilidades de substituição imediata do gás da Rússia e ao esperado aumento da procura no inverno, exigiria algum racionamento, resultando em cortes da produção, em particular em setores com utilização intensiva de energia. Enquanto se considera que a recessão será seguida de uma forte recuperação, com a atenuação do impacto das perturbações da oferta devido a uma substituição gradual dos fatores de produção energéticos e ao ajustamento económico, o nível do PIB no cenário pessimista permanece abaixo das projeções de referência no final do horizonte de projeção. O menor nível de atividade leva a uma subida persistente da taxa de desemprego (quadro A).

No tocante à inflação, os grandes aumentos dos preços das matérias‑primas implicam fortes pressões em sentido ascendente sobre os preços, prolongando o período esperado de inflação elevada. O impacto dos preços mais altos dos produtos energéticos e das matérias‑primas alimentares, bem como os cortes da produção relacionados com os produtos energéticos, resultariam numa inflação global consideravelmente mais elevada do que nas projeções de referência em 2022 e, em especial, em 2023 (gráfico A). Os efeitos indiretos desfasados dos preços mais altos dos produtos energéticos e dos produtos alimentares também deverão manter a inflação medida pelo IHPC excluindo produtos energéticos e produtos alimentares em níveis mais altos durante um período mais alargado, o que mais do que anularia as pressões em sentido descendente decorrentes da procura mais fraca e do desemprego mais elevado. No entanto, um perfil descendente dos preços dos produtos energéticos, a par de pressões em sentido descendente sobre a procura, dominaria em 2024, com a inflação medida pelo IHPC e a inflação medida pelo IHPC excluindo produtos energéticos e produtos alimentares a descer para taxas inferiores às das projeções de referência.

Gráfico A

Impacto no crescimento real do PIB e na inflação medida pelo IHPC na área do euro no cenário pessimista em comparação com as projeções de referência de junho de 2022

(desvios face às projeções de referência de junho de 2022, em pontos percentuais)

As estimativas da dimensão dos cortes da produção apresentam‑se rodeadas de considerável incerteza devido à escassez de fornecimento de produtos energéticos. Tal prende‑se, em particular, com o grau de substituição entre recursos energéticos importados e internos. Para ilustrar esta incerteza, um “modelo‑satélite” é combinado com o modelo “ECB‑BASE” para avaliar os efeitos de uma alteração de +/‑ 0,01 desta elasticidade da substituição[7]. Em comparação com o cenário pessimista, o efeito mínimo (máximo) para o crescimento real do PIB seria de ‑1,1 pontos percentuais (+0,6 pontos percentuais) em 2023, quando a possibilidade de substituição é menor (maior), ao passo que o correspondente efeito de inflação máximo (mínimo) em 2024 seria de cerca de 0,2 pontos percentuais (‑0,1 pontos percentuais). Considera‑se que os efeitos no nível do PIB estabilizarão em 2024 (gráfico B).

Gráfico B

Análise de sensibilidade centrada nos cortes da produção relacionados com a escassez de produtos energéticos: crescimento real do PIB e inflação medida pelo IHPC

(desvios face ao cenário pessimista de junho de 2022, em pontos percentuais)

Outra análise de sensibilidade considera a incerteza relacionada com as trajetórias dos preços dos produtos energéticos no cenário pessimista. Num exercício que pressupõe uma menor substituição da oferta de gás no médio prazo e uma reação mais forte dos preços do petróleo face a uma grave perturbação das exportações russas de produtos energéticos, parte‑se do pressuposto de que, em 2024, os preços do petróleo e do gás sejam cerca de 45% mais elevados do que no cenário pessimista (gráfico C). Os efeitos macroeconómicos desta trajetória contrafactual dos preços dos produtos energéticos são avaliados com base em modelos regularmente utilizados nas projeções elaboradas por especialistas do BCE e do Eurosistema. Em média, os resultados apontam para um crescimento real do PIB 0,1 pontos percentuais (0,2 pontos percentuais) mais baixo em 2023 (2024) e para uma inflação medida pelo IHPC, respetivamente, 0,5 pontos percentuais (0,8 pontos percentuais) mais elevada face ao cenário pessimista (quadro B).

Gráfico C

Análise de sensibilidade centrada nos preços das matérias‑primas: trajetórias alternativas dos preços do petróleo e do gás

Quadro B

Análise de sensibilidade centrada nos preços das matérias‑primas: impacto macroeconómico de trajetórias de preços dos produtos energéticos mais elevados

Nota: Os resultados correspondem a médias baseadas em modelos regularmente utilizados pelos especialistas nas projeções.

O cenário pessimista não considera vários fatores que podem também influenciar a magnitude e a persistência dos efeitos. Mais especificamente, o cenário foi preparado utilizando os mesmos pressupostos de política orçamental e de política monetária subjacentes às projeções de referência de junho de 2022. Se os acontecimentos contemplados no cenário se concretizarem, os governos poderão tomar medidas suplementares para amortecer o impacto dos aumentos mais fortes dos preços dos produtos energéticos nos consumidores e nas empresas e a política monetária poderá reagir. Além disso, o impacto estimado das perturbações no abastecimento de gás a nível da produção é muito incerto, dependendo, nomeadamente, do potencial de substituição (por exemplo, por gás de outros países), da priorização e reafetação de recursos, bem como da procura, da sazonalidade e da dinâmica de armazenamento. No caso de um maior grau de substituição e de um ajustamento económico mais rápido, os efeitos económicos poderão ser mais limitados do que o ilustrado no cenário. Por seu lado, um recrudescimento e prolongamento do conflito implicam o risco de um impacto mais pronunciado e persistente. Acresce que, além dos pressupostos preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares mais elevados incluídos no cenário, os preços de outras matérias‑primas, como os preços de metais, podem também ser gravemente afetados pelo conflito, tendo em conta o papel da Rússia e da Ucrânia no aprovisionamento mundial dessas matérias‑primas.

2 Perspetivas orçamentais

As projeções de referência incorporam um conjunto substancial de medidas adicionais de estímulo orçamental em comparação com as projeções de março de 2022. Tal reflete sobretudo a nova reação dos governos ao aumento acentuado dos preços dos produtos energéticos, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, e outras despesas relacionadas com a guerra, que, em geral, se avalia que ascendem a, aproximadamente, 1% do PIB da área do euro em 2022[8]. Projeta‑se que cerca de um terço desse estímulo orçamental – em particular, a despesa com o reforço das capacidades de defesa e o apoio a refugiados – continue a ter um impacto orçamental em 2023 e 2024. Estas medidas adicionais em 2022 e a sua inversão parcial em 2023 explicam, em geral, as revisões da orientação orçamental face às projeções de março de 2022 (quadro 1). Além disso, outros efeitos de política orçamental discricionária afetarão a orientação orçamental, sobretudo em 2023 e 2024. Estes decorrem do investimento público e das transferências orçamentais, assim como de novas reduções dos impostos diretos e das contribuições para a segurança social. Quanto ao investimento público, além do aumento das despesas militares, as projeções de referência pressupõem um maior financiamento ao abrigo do NGEU em comparação com as projeções de março, refletindo, em parte, um adiamento de 2021. As transferências orçamentais mais elevadas referem‑se principalmente a novas revisões em alta da taxa de crescimento das pensões públicas, que são sobretudo indexadas à inflação ou aos salários a nível do conjunto da economia. De um modo geral, após a forte expansão em 2020, estima‑se que a orientação orçamental da área do euro corrigida das subvenções do NGEU tenha passado a ser mais restritiva em 2021, devido a fatores não discricionários do lado da receita[9], projetando‑se que a sua restritividade continue a registar um ligeiro aumento, em especial em 2023, refletindo principalmente a inversão do apoio prestado no âmbito da crise da COVID‑19 e a redução do apoio relacionado com os preços dos produtos energéticos e a guerra.

Projeta‑se que o saldo orçamental da área do euro registe uma melhoria constante no período até 2024, mas em significativamente menor grau do que o indicado nas projeções de março de 2022. Ao longo do horizonte de projeção, considera‑se que a melhoria do saldo orçamental será impulsionada, primeiramente, pela componente cíclica e, em seguida, pelo nível mais baixo do défice primário corrigido do ciclo. No final do horizonte, projeta‑se que o saldo orçamental se situe em ‑2,4% do PIB e, portanto, permaneça muito abaixo do nível anterior à crise (‑0,7%). Após o aumento acentuado em 2020, espera‑se que a dívida pública agregada da área do euro diminua durante todo o horizonte de projeção e atinja aproximadamente 90% do PIB em 2024, situando‑se ainda acima do nível registado antes da pandemia (84%). Este decréscimo deve‑se principalmente aos diferenciais favoráveis entre taxa de juro e taxa de crescimento, em virtude do crescimento nominal do PIB, que mais do que compensa os défices primários persistentes, ainda que em diminuição. Em comparação com as projeções de março de 2022, não obstante a melhoria dos resultados para 2021, a trajetória do saldo orçamental foi revista significativamente em baixa. Tal reflete uma deterioração da componente cíclica, as medidas de estímulo adicionais incorporadas nas projeções de referência e pagamentos de juros mais altos, em particular em países com níveis de dívida elevados. Estes fatores induziram também uma revisão em alta da trajetória do rácio da dívida agregada da área do euro no conjunto do horizonte de projeção.

3 Preços e custos

A inflação global deverá permanecer elevada nos próximos trimestres (gráfico 3). Após uma subida acentuada nos últimos meses, impulsionada por contributos de todas as componentes principais, espera‑se que a inflação global desça ligeiramente nos próximos trimestres – permanecendo, contudo, ainda muito elevada[10]. Os produtos energéticos continuam a ser o principal fator impulsionador da inflação, com todas as subcomponentes mais importantes (combustíveis, eletricidade e gás) a registar uma dinâmica de preços elevados ao longo do ano e no início de 2023. Tal reflete, entre outros aspetos, preços por grosso persistentemente altos do gás e do petróleo e, em particular, margens de refinação do petróleo elevadas de uma perspetiva histórica, na sequência de preocupações acrescidas com o abastecimento, devido à invasão da Ucrânia pela Rússia e à escassez mundial de capacidade de refinação. O impacto destes fatores na inflação dos produtos energéticos em 2022 é apenas ligeiramente atenuado por medidas orçamentais que reduzem os preços dos produtos energéticos pagos pelas famílias. Na ausência de novos choques sobre os preços das matérias‑primas energéticas, projeta‑se que a inflação dos preços dos produtos energéticos comece a diminuir de forma considerável perto do final de 2022, devido a efeitos de base negativos e ao pressuposto perfil descendente da curva de preços dos futuros do petróleo. Na sequência dos recentes aumentos fortes, espera‑se que a inflação dos preços dos produtos alimentares continue a subir durante o verão, descendo depois progressivamente perto do final do ano. Os principais fatores subjacentes à elevada inflação dos preços dos produtos alimentares são os efeitos desfasados dos choques sobre os preços dos produtos energéticos ao longo das diferentes fases da cadeia de produção alimentar (incluindo o seu impacto nos preços dos fertilizantes) e os preços mais altos das matérias‑primas alimentares (relacionados, entre outros aspetos, com perturbações da oferta resultantes da guerra na Ucrânia), assim como o impacto dos aumentos salariais (por exemplo, a subida do salário mínimo em vários países da área do euro tem um impacto relativamente mais forte no setor dos produtos alimentares do que em outros setores). A inflação medida pelo IHPC excluindo produtos energéticos e produtos alimentares também deverá permanecer em níveis elevados durante a maior parte de 2022. As taxas de inflação sustentadas refletem os efeitos dos estrangulamentos da oferta, que deverão intensificar‑se (em resultado da guerra na Ucrânia e dos confinamentos relacionados com a COVID‑19 na China), bem como a forte procura de serviços com uma grande componente de contacto, após o levantamento das restrições associadas à COVID‑19 na área do euro e os efeitos indiretos do aumento acentuado dos preços dos produtos energéticos e dos produtos alimentares.

Gráfico 3

IHPC da área do euro

(variação anual em percentagem)

Nota: A linha vertical indica o início do horizonte de projeção.

De acordo com as projeções, a inflação descerá para 3,5% em 2023 e 2,1% em 2024. Espera‑se que a inflação medida pelo IHPC comece a descer perto do final de 2022, devido sobretudo a efeitos de base em sentido descendente na componente de preços dos produtos energéticos e à pressuposta descida dos preços do petróleo em consonância com os preços dos futuros. A normalização em curso da política monetária, na medida em que se reflete em pressupostos de taxas de juro mais elevadas, também terá um impacto moderador sobre a inflação, com os habituais desfasamentos na transmissão. Na parte final do horizonte de projeção, o contributo da inflação dos preços dos produtos energéticos deverá ser negligenciável, sendo o impacto negativo do perfil descendente da curva de preços dos futuros do petróleo e do gás compensado, de certo modo, por efeitos desfasados de anteriores aumentos dos preços por grosso do gás e dos preços da eletricidade, assim como por medidas, em alguns países, relacionadas com as alterações climáticas. A inflação dos preços dos produtos alimentares também deverá começar a apresentar uma moderação em 2023, com o abrandamento das pressões em alta dos custos dos fatores de produção energéticos, dos preços dos fertilizantes e dos preços das matérias‑primas alimentares. Considera‑se, porém, que alguns dos efeitos em sentido descendente do abrandamento dos custos dos fatores de produção serão compensados pelo impacto desfasado da subida dos salários em termos de custos dos fatores de produção e dos custos relacionados com a transição da indústria alimentar para uma produção mais ecológica. Após atingir um máximo em 2022, a inflação medida pelo IHPC excluindo produtos energéticos e produtos alimentares deverá descer ao longo do horizonte de projeção, com o desvanecimento dos efeitos em sentido ascendente dos estrangulamentos da oferta e da reabertura da economia. Espera‑se, contudo, que permaneça acima da sua média de longo prazo até ao final do horizonte, situando‑se em 2,3% em 2024. A projeção para a inflação medida pelo IHPC excluindo produtos energéticos e produtos alimentares pressupõe uma continuação da pressão em alta decorrente dos efeitos indiretos dos preços elevados dos produtos energéticos e dos produtos alimentares, que, deverão, contudo, diminuir no horizonte de projeção. Em contraste, espera‑se que os salários apoiem a inflação subjacente ao longo do horizonte de projeção. Na sequência de aumentos robustos em 2021, as margens de lucro deverão amortecer, em certa medida, os custos salariais mais elevados no curto prazo, mas, posteriormente, projeta‑se que recuperem algumas perdas em 2024. As expectativas de inflação a mais longo prazo deverão manter‑se ancoradas no objetivo de inflação de 2% do BCE. As projeções de referência encontram‑se rodeadas de uma incerteza significativa, devido à guerra na Ucrânia, sendo apresentado na caixa 3 um cenário pessimista alternativo.

Quanto à remuneração por trabalhador, projeta‑se que registe uma taxa de crescimento de 4,2% em 2022 e 4,3% em 2023, descendo depois para 3,7% em 2024. Estas taxas situam‑se muito acima da média histórica desde 1999 (2,2%), sendo também superiores às taxas médias observadas antes da grande crise financeira (2,6%). Espera‑se que o crescimento dos salários seja apoiado pela restritividade dos mercados de trabalho, pelos aumentos dos salários mínimos e por alguns efeitos da compensação pela inflação mais elevada. A caixa 4 apresenta uma análise de sensibilidade centrada nos efeitos macroeconómicos de um potencial aumento do grau de indexação salarial. Não obstante a projeção de que o crescimento dos custos unitários do trabalho será forte no curto prazo, olhando para além das distorções decorrentes dos regimes de retenção de postos de trabalho que afetam as taxas de crescimento no período de 2020 a 2022, o crescimento dos custos unitários do trabalho deverá diminuir no decurso do horizonte de projeção. Esta diminuição deve‑se, inicialmente, à esperada recuperação da produtividade por indivíduo empregado a partir de finais de 2022 e, subsequentemente, também à projetada moderação do crescimento dos salários em 2024.

As pressões sobre os preços das importações deverão ser significativamente mais fortes do que as pressões internas sobre os preços em 2022, mas abrandar de forma acentuada nos últimos anos do horizonte de projeção. Espera‑se que a inflação dos preços das importações seja elevada em 2022, refletindo, em grande medida, aumentos dos preços do petróleo e das matérias‑primas não energéticas, bem como algumas subidas dos preços de fatores de produção importados relacionados com a escassez de oferta. As perdas de termos de troca em 2022 são significativas, mas consideram‑se ligeiramente contidas pela capacidade dos exportadores da área do euro de também aumentarem os preços. Com a descida dos preços das importações em 2023 e 2024, projeta‑se que os termos de troca registem uma ligeira melhoria.

Em comparação com as projeções de março de 2022, as perspetivas quanto à inflação medida pelo IHPC foram objeto de uma revisão em alta de 1,7 pontos percentuais para 2022, 1,4 pontos percentuais para 2023 e 0,2 pontos percentuais para 2024. As revisões devem‑se a todas as componentes principais, com as revisões referentes às componentes de preços dos produtos alimentares e dos produtos energéticos a contribuírem mais para as revisões a curto prazo, enquanto, no tocante a 2024, a revisão advém quase inteiramente da inflação medida pelo IHPC excluindo produtos energéticos e produtos alimentares. Estas alterações face às projeções anteriores refletem as recentes surpresas em alta em termos de dados; pressões em sentido ascendente mais fortes e persistentes resultantes de preços dos produtos energéticos (petróleo e gás); aumentos dos custos dos fatores de produção no setor alimentar relacionados com os pressupostos preços mais altos dos produtos energéticos e das matérias‑primas alimentares; perturbações da oferta mais persistentes; um crescimento mais forte dos salários; e a depreciação da taxa de câmbio efetiva do euro. Os fatores referidos compensam amplamente o impacto desinflacionista das perspetivas de crescimento mais fracas relacionadas com o conflito na Ucrânia e as pressupostas taxas de juro mais elevadas.

Caixa 4
Análise de sensibilidade: impacto de um maior grau de indexação salarial

O aumento acentuado da inflação elevou o risco de efeitos de segunda ordem sobre a inflação através de reivindicações de salários mais elevados. A recente subida pronunciada da inflação para taxas sem precedentes na história da área do euro é um fator que pode ter um impacto importante nas perspetivas para os salários, o que constitui a primeira fase em potenciais ciclos de interação de segunda ordem entre salários e preços. A presente caixa avalia as consequências macroeconómicas de uma possível alteração da relação entre salários e preços, devido à inflação elevada[11].

Uma análise baseada em modelos revela que pressões salariais temporárias decorrentes de um maior grau de indexação dos salários à inflação podem ter efeitos consideráveis sobre a dinâmica da inflação. O modelo “ECB‑BASE” é utilizado para avaliar a sensibilidade das perspetivas de inflação e salariais resultantes de um maior grau de indexação salarial[12]. No modelo, a inflação dos preços e dos salários é modelizada com curvas de Phillips, apresentando uma componente de indexação, bem como fatores assentes em expectativas e custos marginais. Partindo das projeções de referência das projeções macroeconómicas de junho de 2022 elaboradas por especialistas do Eurosistema, a simulação contrafactual pressupõe uma indexação mais elevada dos salários à passada dinâmica dos preços[13]. O maior grau de indexação implica uma reação mais forte dos salários a anteriores aumentos de preços, conduzindo a uma inflação mais elevada no horizonte de projeção. A inflação salarial anual situa‑se, em média, 0,5 pontos percentuais acima das projeções de referência das projeções de junho de 2022 (gráfico A, barras a azul). As reivindicações de salários mais elevados repercutem‑se em novos aumentos da inflação dos preços, excedendo as projeções de referência em 0,1 pontos percentuais em 2023 e 0,2 pontos percentuais em 2024.

Gráfico A

Efeitos macroeconómicos de um maior grau de indexação salarial

(desvio em pontos percentuais face às projeções de referência)

Fontes: Cálculos de especialistas do BCE baseados em simulações com o modelo “ECB‑BASE”.

A simulação implica menos emprego e aponta para um compromisso significativo entre aumentar a remuneração salarial real e preservar postos de trabalho. Os custos de mão de obra reais mais elevados pesam sobre a procura de trabalho, descendo o emprego para um nível 0,2% abaixo das projeções de referência em 2024[14]. Contudo, a procura de trabalho no modelo “ECB‑BASE” é lenta. Por conseguinte, ao longo do horizonte de projeção, o rendimento real das famílias aumenta, dado que a queda do emprego não excede o aumento dos salários reais. Inicialmente, o aumento dos salários reais apoia o consumo e a atividade económica, sendo o crescimento real do PIB cerca de 0,1 pontos percentuais mais elevado do que as projeções de referência tanto em 2023 como em 2024. O efeito positivo sobre o PIB real começa a desvanecer‑se a partir do segundo semestre de 2024, à medida que os entraves ao emprego começam a dominar o aumento do rendimento real per capita. Não obstante o aumento a curto prazo do PIB real, verifica‑se, ainda assim, uma clara deterioração das perspetivas de emprego em caso de maior grau de indexação salarial. Estas simulações baseadas em modelos não consideram canais adicionais, que conduziriam a uma deterioração mais imediata da atividade económica, nomeadamente devido à maior incerteza quanto às perspetivas para o mercado de trabalho, bem como à antecipação do ajustamento das famílias e das empresas às condições de trabalho adversas esperadas[15].

Caixa 5
Análise de sensibilidade: trajetórias alternativas dos preços dos produtos energéticos

Devido à incerteza significativa em torno da evolução futura dos preços dos produtos energéticos, esta análise de sensibilidade avalia as implicações mecânicas, para as projeções de referência, de trajetórias alternativas dos preços dos produtos energéticos. São determinadas trajetórias alternativas em sentido descendente e ascendente a partir dos percentis 25 e 75 das densidades implícitas, neutras em termos de risco, extraídas das opções para os preços do petróleo em 17 de maio de 2022 (a data de fecho da informação para os pressupostos técnicos das projeções de junho de 2022). Os pressupostos relativos aos preços de petróleo nas projeções de referência situam‑se praticamente no meio do intervalo interquartil, sugerindo que não existe um enviesamento significativo dos riscos em qualquer das direções. Na ausência de distribuições semelhantes para os preços do gás, estes são determinadas partindo dos percentis 25 e 75 de uma distribuição baseada em erros de previsão recentes dos preços por grosso dos futuros do gás[16]. Uma terceira trajetória pressupõe que os preços do petróleo e do gás permanecem constantes nos respetivos níveis prevalecentes nas duas semanas anteriores a 17 de maio de 2022.

O impacto destas trajetórias alternativas é avaliado com base numa série de modelos macroeconómicos de especialistas do Eurosistema e do BCE utilizados nas projeções[17]. O impacto médio no crescimento do produto e na inflação nesses modelos é apresentado no quadro a seguir. Os resultados sugerem que os desvios ascendentes mais elevados em relação às projeções de referência para a inflação medida pelo IHPC são obtidos para os percentis 75 nos últimos anos do horizonte e para os preços constantes do petróleo e do gás em 2024. A inflação medida pelo IHPC permanece acima de 2% ao longo do horizonte de projeção nos pressupostos relativos aos preços constantes e na trajetória do percentil 75. Em contraste, no cenário baseado no percentil 25 das densidades implícitas extraídas das opções, a inflação medida pelo IHPC desce para 1,4% em 2024. O impacto no crescimento real do PIB é de ‑0,1 pontos percentuais em 2023 e 2024 para o pressuposto de preços constantes e o percentil 75, ao passo que a trajetória do percentil 25 implicaria um crescimento 0,2 pontos percentuais mais elevado.

Impacto de trajetórias alternativas dos preços dos produtos energéticos

Notas: Os percentis 25 e 75 referem‑se às densidades implícitas, neutras em termos de risco, extraídas das opções para o preço do petróleo em 17 de maio de 2022. Os preços constantes do petróleo e do gás correspondem aos respetivos valores na mesma data. Os efeitos macroeconómicos são apresentados como médias de uma série de modelos macroeconómicos utilizados pelos especialistas do Eurosistema e do BCE.

Caixa 6
Previsões de outras instituições

Estão disponíveis previsões para a área do euro, elaboradas por organizações internacionais e instituições do setor privado. Todavia, essas previsões não são diretamente comparáveis entre si ou com as projeções macroeconómicas dos especialistas do Eurosistema, visto que foram concluídas em momentos distintos. Além disso, estas projeções aplicam métodos diferentes de cálculo dos pressupostos relativos às variáveis orçamentais, financeiras e externas, incluindo preços do petróleo e de outras matérias‑primas. Por último, existem diferenças nos métodos de correção de dias úteis utilizados nas diversas previsões.

Comparação de previsões recentes para o crescimento real do PIB e para a inflação medida pelo IHPC na área do euro

(variação anual em percentagem)

Fontes: Economic Outlook 111, da OCDE, de 8 de junho de 2022; Barómetro da Zona Euro da MJEconomics, de 26 de maio de 2022 (os dados para 2024 são retirados do inquérito de abril de 2022); previsões económicas da primavera de 2022 da Comissão Europeia, de 16 de maio de 2022; previsões da Consensus Economics, de 12 de maio de 2022 (os dados para 2024 são retirados do inquérito de abril de 2022); World Economic Outlook do FMI, de 19 de abril de 2022; e inquérito do BCE a analistas profissionais para o segundo trimestre de 2022, de 15 de abril de 2022.
Notas: As projeções macroeconómicas dos especialistas do Eurosistema apresentam taxas de crescimento anuais corrigidas de dias úteis, ao passo que a Comissão Europeia e o FMI apresentam taxas de crescimento anuais não corrigidas de dias úteis por ano. As restantes previsões não especificam se foram, ou não, utilizados dados corrigidos de dias úteis. Os dados históricos podem divergir das publicações mais recentes do Eurostat, devido à divulgação de dados após a data de fecho da informação para as projeções.

As projeções de junho de 2022 dos especialistas do Eurosistema estão globalmente em consonância com outras previsões para o crescimento do PIB, ao passo que, para a inflação, são superiores às restantes, em particular no que respeita a 2023. As projeções dos especialistas do Eurosistema para o crescimento apresentam‑se, em geral, alinhadas com outras previsões, exceto no tocante a 2024, em que são ligeiramente mais elevadas. Quanto à inflação, as projeções dos especialistas do Eurosistema são mais elevadas do que a maioria das restantes previsões, de modo significativo para 2023, devido provavelmente à data de fecho da informação mais recente e a pressupostos técnicos mais atuais, o que poderia sugerir uma persistência mais forte de pressões sobre os preços e daí a inflação resultante. As previsões da OCDE para 2023 situam‑se muito acima das projeções dos especialistas do Eurosistema e de outros analistas. Tal é explicado, em grande medida, pelo pressuposto de um aumento significativo dos preços do petróleo no início de 2023 utilizado pela OCDE, enquanto as projeções dos especialistas do Eurosistema partem do pressuposto de que os preços do petróleo seguirão os preços dos futuros, o que implica uma trajetória descendente (ver a caixa 1).

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Para uma definição da terminologia específica, consultar o glossário do BCE.


HTML ISSN 2529‑4792, QB‑CF‑22‑001‑PT‑Q


  1. A data de fecho da informação para os pressupostos técnicos, como os relativos aos preços do petróleo e às taxas de câmbio, foi 17 de maio de 2022. As projeções macroeconómicas para a área do euro foram finalizadas em 24 de maio de 2022. O atual exercício de projeção abrange o período de 2022 a 2024. Projeções com um horizonte tão alargado estão sujeitas a uma incerteza muito elevada, facto que é necessário ter em conta na sua interpretação. Ver o artigo dedicado a uma avaliação das projeções macroeconómicas elaboradas por especialistas do Eurosistema (An assessment of Eurosystem staff macroeconomic projections), publicado na edição de maio de 2013 (não disponível em língua portuguesa) do Boletim Mensal do BCE. Para uma versão acessível dos dados subjacentes aos quadros e gráficos selecionados, consultar http://www.ecb.europa.eu/pub/projections/html/index.en.html. É disponibilizada uma base de dados completa das projeções macroeconómicas anteriores elaboradas por especialistas do BCE e do Eurosistema em https://sdw.ecb.europa.eu/browseSelection.do?node=5275746.

  2. De acordo com a estimativa provisória do Eurostat, publicada após a finalização das projeções, a inflação global medida pelo IHPC situou‑se em 8,1% em maio de 2022, sendo, portanto, ligeiramente mais elevada do que o avançado nas projeções elaboradas por especialistas do Eurosistema. Uma atualização mecânica das projeções sugeriria uma taxa de inflação de 7,1% em 2022.

  3. Esta estimativa do crescimento do PIB foi publicada em 8 de junho de 2022, após a finalização das projeções elaboradas por especialistas do Eurosistema, as quais se basearam na estimativa provisória (0,3%). Os especialistas do BCE avaliam que esta revisão tem implicações limitadas para as projeções relativas à área do euro.

  4. O pressuposto relativo às taxas de rendibilidade nominais das obrigações de dívida pública a dez anos da área do euro tem por base a média ponderada das taxas de rendibilidade das obrigações de dívida pública a dez anos de referência dos países, ponderada em função dos valores anuais do PIB e alargada pela trajetória a prazo obtida a partir da taxa de cupão do BCE que torna o preço da obrigação igual ao valor nominal a dez anos de todas as obrigações da área do euro, sendo a discrepância inicial entre as duas séries mantida constante ao longo do horizonte de projeção. Quanto aos diferenciais entre as taxas de rendibilidade das obrigações de dívida pública específicas dos países e a média da área do euro correspondente, pressupõe‑se que permaneçam constantes no horizonte de projeção.

  5. Os pressupostos referentes aos preços do gás natural baseiam‑se nos preços dos futuros do gás transacionados na facilidade de transferência de títulos (Title Transfer Facility – TTF) neerlandesa. As projeções elaboradas por especialistas do Eurosistema assentam também em pressupostos técnicos sobre os preços por grosso da eletricidade com base nos preços dos futuros dos países de maior dimensão da área do euro.

  6. O “Q” de Tobin é o valor de uma habitação já existente dividido pelo seu custo de construção.

  7. A elasticidade da substituição dos cortes da produção no cenário pessimista é obtida recorrendo ao método da função de elasticidade constante da substituição (constant elasticity of substitution – CES) de Bachmann, R., Baqaee, D.,Kon, C., Kohn, M., Löschel, A., Moll, B., Peichl, A., Pittel, K. e Schularick, M. (2022), “What If? The Economic Effects for Germany of a Stop of Energy Imports from Russia”, ECONtribute Policy Brief, n.º 28/2022, aprofundado em Borin, A., Conteduca, P. O., Di Stefano, E., Mancini, M., Gunnella, V. e Panon, L. (2022, a publicar). Essa elasticidade está relacionada com a possibilidade de substituir os produtos energéticos importados por recursos energéticos internos ou, de um modo mais geral, até que ponto os agentes económicos estão dispostos a reafetar a despesa com produtos energéticos importados a outros produtos. Ao nível da área do euro, pressupõe‑se que a elasticidade seja de cerca de 0,04. A fim de avaliar a sensibilidade da trajetória do PIB real e a correspondente resposta da inflação a diferentes níveis de substituibilidade, a elasticidade foi alterada em +/‑0,01, tendo o impacto desta alteração nas variáveis macroeconómicas sido calculado utilizando o modelo “ECB‑BASE” e pressupondo o mesmo rácio de choques da procura e da oferta que o subjacente ao cenário pessimista. Relativamente ao modelo “ECB‑BASE”, ver Angelini, E., Bokan, N., Christoffel, K., Ciccarelli, M. e Zimic, S., “Introducing ECB‑BASE: The blueprint of the new ECB semi‑structural model for the euro area”, Série de Documentos de Trabalho, n.º 2315, BCE, 2019.

  8. Estima‑se que estas novas medidas tenham um impacto de 0,4 pontos percentuais no crescimento e de ‑0,4 pontos percentuais na inflação em 2022. Em 2023, tendo em conta o momento e a composição das medidas, estima‑se que o impacto no crescimento se desvaneça, ao passo que se considera que o impacto na inflação será praticamente invertido.

  9. Decorrentes sobretudo do crescimento mais rápido das receitas do que das respetivas bases fiscais macroeconómicas e de outras receitas extraordinárias. Projeta‑se uma inversão destes fatores a partir de 2022, embora apenas em parte e menos do que o indicado nas projeções de março.

  10. De acordo com a estimativa provisória do Eurostat, publicada após a finalização das projeções, a inflação global medida pelo IHPC situou‑se em 8,1% em maio de 2022, sendo, portanto, ligeiramente mais elevada do que o avançado nas projeções elaboradas por especialistas do Eurosistema. Uma atualização mecânica das projeções sugeriria uma taxa de inflação de 7,1% em 2022.

  11. De acordo com a recente análise do BCE, a prevalência de sistemas formais de indexação salarial é reduzida na área do euro. Ver “The prevalence of private sector wage indexation in the euro area and its potential role for the impact of inflation on wages”, Boletim Económico, Número 7, BCE, 2021.

  12. Para mais informações sobre o modelo “ECB‑BASE”, ver a nota de rodapé 7.

  13. Tal é simulado por um aumento de 25% do parâmetro que capta a indexação salarial na curva de Phillips dos salários do modelo “ECB‑BASE”, que aumenta de 0,39 (valor estimado com base em dados históricos) para 0,5.

  14. O efeito sobre a população ativa é negligenciável, implicando um aumento da taxa de desemprego de, aproximadamente, um para um com uma diminuição do emprego.

  15. A simulação é efetuada pressupondo expectativas retrospetivas e, por conseguinte, os agentes económicos não preveem uma deterioração das perspetivas de emprego no futuro.

  16. Os anteriores erros de previsão para os preços dos futuros do gás foram calculados para o período de janeiro de 2017 a fevereiro de 2022.

  17. Visto que os modelos macroeconómicos utilizados nesta análise têm muitas vezes apenas equações para os preços do petróleo (devido, em parte, ao co‑movimento histórico entre os preços do petróleo e do gás), as trajetórias alternativas para o petróleo e o gás são combinadas num índice sintético. O índice sintético constitui uma média ponderada da evolução dos preços do petróleo e do gás com base nos pesos das importações da área do euro reportados pelo Instituto de Economia Internacional de Hamburgo (aproximadamente 80% para o petróleo e 20% para o gás). O impacto do índice sintético é então avaliado utilizando a elasticidade dos preços do petróleo. Trata‑se de uma aproximação que confere mais incerteza aos resultados.